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19 de junho de 2014

Quando Opostos se Atraem: Alguns Pensamentos em Bhakti e Yoga

ESCRITO POR STEVEN J. ROSEN (SATYARAJA DASA)





Assim como se geralmente se compreende, yoga se refere a “união”. Alguns interpretam isto em termos de corpo e mente, esperando se tornarem pessoas plenamente integradas como resultado da prática de yoga; outros veem como um fenômeno mais sutil, um tipo de união com o eu interior que permite a integração de corpo, mente e alma em uma consciência espiritual superior. Em última análise, o conceito de yoga foca na união com Deus, apesar de que o que se quer dizer exatamente com “Deus” estar aberto a discussão.

Bhakti também se refere a união, mas se trata de unir-se com Deus por meio do amor. Em outras palavras, para existir bhakti, deve haver “dois”, o amante e o amado. Este senso de dualismo é frequentemente esquecido no mundo moderno do yoga, no qual o amante e o amado são geralmente fundidos em alguma abstração mística. Em um sentido muito real, bhakti requer que seus praticantes dispensem formas superficiais de união.

Além disso, a palavra bhakti, enquanto comumente entendida como “devoção”, ou, como Prabhupada a traduz, “serviço devocional”, originalmente vem da raiz verbal ‘bhaj’ (“dividir, distribuir, colocar ou repartir a”). Pense sobre isso: Enquanto yoga se refere a união, bhakti se refere ao fenômeno diametricalmente oposto: divisão, separação. Como o Monier Williams Sanskrit-English Dictionary nos diz, bhakti se refere primariamente a “distribuição, partilha, ou separação.”

Por que isso? Porque para haver devoção ou amor, deve haver separação*. É por isso que “bhaja” passou a significar “adoração”: Se há divisão, há pelo menos “dois”, e quando há dois, a adoração é possível. Uma entidade unitária não adora a si mesma, exceto em casos extremos de narcisismo. Citando um famoso bhakta, “Eu não quero ser açúcar, eu quero saborear o açúcar”. O açúcar, de fato, não pode saborear a si mesmo.

A unicidade faz com que a relação evapore. Nós podemos falar poeticamente, ou romanticamente sobre a união de amantes, mas, no fim, para os amantes amarem, eles devem ser dois, não um. A assim chamada “unicidade”, nesse contexto é meramente um sentimento de completa harmonia, de unidade em propósito, união em sensibilidade. É uma conexão (leia-se: yoga) que dissolve todas as diferenças. Mas não é unicidade ontológica, e é a “duplicidade” que facilita o amor.

Assim, enquanto as palavras bhakti e yoga podem significar coisas inteiramente opostas, elas estão visando ao mesmo objetivo: proximidade ou intimidade com Deus. E não apenas uma proximidade ordinária, mas uma proximidade tão completa e abrangente que alguém poderia chamar de um tipo de unicidade.

Para atingir esse estado espiritual exaltado, os praticantes do convencional sistema de oito ramos do yoga (Ashtanga-yoga) frequentemente pensam em termos de subir a “escada do yoga”, começando com pranayama (técnicas de respiração) e asana (posturas físicas). Tais práticas constituem os primeiros dois degraus da escada, comumente conhecida como Hatha-yoga. Isto ajuda o indivíduo a adquirir maestria sobre o corpo, de modo que possa então fixar a mente na meditação em um único ponto. Depois disso, os próximos dois degraus são yama (“restrições”) e niyama (“observâncias”), referindo-se a certas regras e regulações que situam a pessoa no modo da bondade. Isso leva aos quatro degraus superiores nos quais se aprende retração dos sentidos, concentração, meditação e samadhi (absorção total no Supremo).

Os textos antigos do yoga nos dizem que o degrau mais alto da escada é uma junção de bhakti e yoga. Este é chamado Bhakti-yoga, e, quando propriamente executado, é como um elevador levando rapidamente ao ponto mais elevado da escada do yoga. Isto está claramente exposto no texto de yoga mais importante e mais antigo, o Bhagavad-gita. De fato, o Gita aceita todas as formas tradicionais de yoga como legítimas, afirmando que todas elas focam na ligação ou união com o Supremo. Porém, o Gita também cria uma hierarquia, indicando uma escada própria do yoga: Primeiro vem o estudo, o entendimento e a meditação (Dhyana-yoga). Estes levam a uma contemplação profunda da filosofia (Jñana-yoga) e, eventualmente, sabedoria que culmina em renúncia (Sannyasa-yoga). A renúncia leva ao uso apropriado da inteligência (Buddhi-yoga) e então à ação apropriada (Karma-yoga). E tudo isso, no fim, leva a Bhakti-yoga.

Os ensinamentos do Gita apontam para um complexo desenvolvimento interno, começando com o entendimento da natureza temporária do mundo material e como a dualidade afeta nossa vida diária. Percebendo que o mundo da matéria deixará de existir e que o nascimento rapidamente leva à morte, o aspirante a yogi começa a praticar renúncia externa, e gradualmente renúncia interna, o que, em última análise, inclui desistir do desejo pelos frutos do próprio trabalho (karma-phala-tyaga) e, eventualmente, executar o próprio trabalho como uma oferenda a Deus (bhagavad-artha-karma). Este método de ação desapegada leva à “perfeição da inação” (naishkarmya-siddhi), ou liberdade da escravidão do trabalho. A pessoa se torna livre de tal escravidão porque aprende a trabalhar como um “agente”, ao invés de trabalhar como um “desfrutador” – aprende a trabalhar para Deus, em Seu benefício. Este é o ensinamento essencial do Gita, e em suas páginas Krishna leva Arjuna (e cada um de nós) através de cada degrau deste processo do yoga.

Significativamente, o Sexto Capítulo inteiro do Gita nos leva além do yoga convencional, o qual Arjuna descreve como imprático e “muito difícil de executar”. Ao invés disso, ele aconselha a reconexão com Deus (Krishna) em Bhakti-yoga, um método descrito como a culminação de todo o resto. De acordo com Krishna, Arjuna é o melhor dos yogis porque ele tem devoção ao Supremo. No fim do Sexto Capítulo, Krishna diz a Seu devoto diretamente, “De todos os yogis, aquele que sempre permanece em Mim com grande fé, Me adorando em serviço amoroso transcendental, é o mais próximo de Mim em yoga, é o maior de todos”.

Adendo: Ambos, yoga e bhakti – e certamente Bhakti-yoga – se espalharam pelo mundo e são agora populares entre os buscadores da ciência espiritual. No entanto, nós vivemos em Kali-yuga, a era da disputa e da hipocrisia. Isso significa que, mesmo que várias tecnologias espirituais possam se espalhar por muito longe, elas serão acompanhadas por equívocos e inexatidão.

Consequentemente, é fácil ser enganado, e muitas formas de yoga e bhakti são de fato ensinadas por charlatões ou pessoas com uma agenda diferente da evolução espiritual. O Brahma-vaivarta Purana ilumina a degradada condição das pessoas nesta era: ataḥ kalau tapo-yoga-vidyā-yajñādikāḥ kriyāḥ sāńgā bhavanti na kṛtāḥ kuśalair api dehibhiḥ "Então, na era de Kali, as práticas de austeridade, yoga, meditação, murti seva, sacrifício e assim por diante, junto com suas várias técnicas acessórias, não são executadas propriamente, mesmo pela mais hábil das almas corporificadas.” (Este verso é citado por Srila Jiva Goswami, sábio do Bhakti-yoga do século XVI, em seu Bhakti sandarbha, Anuccheda 270.)

As escrituras nos aconselham a evitar tal inexatidão e decepção, encontrando um professor autorrealizado em uma linhagem estabelecida, das quais há quatro: Sri, Brahma, Rudra e Kumara Sampradayas. Estas tradições têm muitas linhagens e ramificações e, com um pouco de estudo, se pode encontrar um mestre espiritual fidedigno. Isto permitirá que o indivíduo faça rápido progresso.

De fato, uma vez propriamente situado, o progresso vem facilmente. Como diz o Srimad Bhagavatam (12.3.51), "Meu querido Rei, apesar de Kali-yuga ser um oceano de falhas, há ainda uma boa qualidade sobre esta era: Simplesmente por fazer kirtan, alguém pode se tornar livre da escravidão material e ser promovido ao reino transcendental.” E além disso (12.3.52): “Qualquer resultado que era obtido em Satya-yuga por meditação e yoga, em Treta-yuga pela execução de sacrifícios, e em Dvapara-yuga por servir os pés de lótus do Senhor, pode ser obtido em Kali-yuga simplesmente por Hare Krishna kirtan”.

Então, a prática central do Bhakti-yoga é cantar o santo nome do Senhor. As dificuldades associadas com o processo de yoga podem ser deixadas de lado em favor da simplicidade de cantar sob a guia de um mestre que tem realizado o santo nome. Até uma criança pode fazê-lo. Para começar, se necessita abrir a boca e cantar com sinceridade de coração.

FIM

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*De fato, a “origem” do eterno fenômeno conhecido como bhakti pode ser visto na inicial “separação” de Radha e Krishna – A Suprema Verdade manifesta em duas formas eternas, Divindade Feminina e Masculina, respectivamente. Como é afirmado no Caitanya-caritamrta (Adi 4.56): radha-krishna eka atma, dui deha dhari' anyonye vilase rasa asvadana kari' ("Radha e Krishna são um e o mesmo, mas Eles assumiram dois corpos. Assim, eles desfrutam, um ao outro, de suas essências, experimentando as trocas do amor.”) Isso significa que a verdade Absoluta se divide para desfrutar da relação (rasa), que é a mais elevada forma de yoga.

Além disso, na teologia Gaudiya Vaishnava, a ideia de Vipralambha-bhava ou Viraha-bhakti, que é “amor em separação”, ressoa com o bhakti da forma como nós o definimos neste artigo: se alguém é separado de Deus, vai sentir Sua falta, o que aumentará seu amor. Por esta razão, Viraha-bhakti é considerado o zênite da troca amorosa com Krishna. É Viraha-bhakti, de fato, que nutre Sambhoga, ou “união com Deus”, um conceito mais comparável ao yoga como é definido neste artigo. Ambos são perfeitos, mas em separação há uma saudade intensa que é naturalmente ausente na união, tornando o amor mais completamente desenvolvido.

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Bio:

Steven J. Rosen (Satyaraja Dasa) é um discípulo de Sua Divina Graça A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada e autor de cerca de 30 livros nas áreas de filosofia, religião, espiritualidade e música. Ele é um editor associado da revista De Volta ao Supremo, da ISKCON, assim como o fundador editor do Journal of Vaishnava Studies.

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